Letrux aos Prantos

Letrux aos Prantos

“Letrux Aos Prantos é um disco emotivo, sensível, mas nem por isso um lugar de melancolia. As pessoas ouvem a palavra pranto e acham que vão chorar de tristeza”. É assim que Letícia Novaes define o seu segundo álbum como Letrux. Após o sucesso estrondoso de Letrux em Noite de Climão (2017), a cantora carioca entrega 13 canções “sobre poder se emocionar”. Novamente com produção de Natália Carrera e Arthur Braganti, Letrux foi trabalhando em Aos Prantos em suas “horinhas de descuido”, em meio ao furacão que foi a divulgação de Noite de Climão, que a levou para cantar no Brasil todo e em Portugal. E, durante as férias que se deu de presente em 2019, “me dei o luxo de realizar meu sonho de infância e fui para a Grécia. Tem umas duas músicas que fiz dentro d’água na Grécia”, diz ela ao Apple Music. “Era onde eu estava: em casa, na água, no avião. Eu sempre sou do caderninho, onde quer que esteja, sempre estou com o caderninho, anotando algumas coisas, até que uma hora vai, vem melodia junto.” O álbum traz parcerias de Letrux com Liniker, Luísa LoveFoxxx (CSS), Duda Brack, Lucas Vasconcellos (ex-parceiro de Letuce), Thiago Vivas (seu “romance”) e Keli Freitas (escritora e sua melhor amiga). Abaixo Letícia comenta cada uma das faixas de Aos Prantos: 1. Deja Vu Frenesi “É uma canção que eu fiz dentro d’água, na Grécia. Me dei esse luxo, realizei esse sonho de ir para a Grécia, um sonho infantil. Acho que estava muito emocionada, muito conectada com as águas, muito mesmerizada mesmo com a força daquele país, da história do mundo, estava me sentindo muito velha, muito coletiva mesmo. Parecia que não estava nesta vida, mas numa outra. Senti umas forças de outros chamados, de outros lugares, então assim me senti velha, mas foi bom. Senti também uma coisa muito coletiva, do tipo não-indivíduo, todos os corpos aquáticos, todos os corpos com sangue e neurônios. Não sei, entrei num barato, senti ali qualquer coisa, e a música veio inteira dentro d’água, saí correndo e peguei o celular. Tenho muito déjà-vu desde criança, é uma coisa que me dá até um certo nervoso. Tem gente que tem déjà-vu assim, uma cena, você mexeu a perna e já tinha visto. O meu não, vai indo, indo, aí acontece outra cena. Fico assim, ‘gente, para, faz parar pelo amor de Deus. Alguém para!’. Então, acho que quis tratar um pouco sobre isso e o que seria isso, um erro na matrix? É uma memória de outra vida? É só um baratinho que o cérebro dá pra gente, um segundo de uma sinapse maluca? Não sei.” 2. Dorme com Essa “‘Dorme com Essa’ talvez seja a música mais aguenta coração do disco. É uma música que fiz lá no Rio mesmo. Em algum momento, compreendendo questões do coração. Ela tem uma névoa. Acho que o lugar do ‘broken heart’, do coração partido, ele é nebuloso. Até tem músicas de coração partido animadas, mas é bom abraçar a sombra às vezes. As pessoas falam, ‘tô bem, tá tudo bem’. Não, você não está bem. Abraça a sombra, abraça esse lugar, não precisa querer colar o coração logo, entenda essa quebra, esse esmagamento. Entenda que você foi trucidada, e é bom. É uma música que acho muito bonita, o arranjo que a galera fez. Acho esta música muito gostosa.” 3. Fora da Foda “No dia do Popload Festival, ela (Luísa LoveFoxxx) falou, ‘te amo, sou muito sua fã’. Eu falei, ‘eu que te amo, eu que sou sua fã’. Aí ficou uma rasgação de seda linda, ela é muito especial, um ser humano maravilhoso. Falei, ‘Luísa, você não topa participar de uma música que eu acho que é a sua cara?’. Ela topou e fiquei muito feliz. Ela é muito engraçada, tem uns diálogos no final da música. Fazendo aqueles diálogos a gente chorava de rir, superimprovisado. Foi até difícil escolher um trecho, porque tinha muito mais. Um dia de repente a gente solta. É uma música que veio desse lugar, que pedi pra banda, ‘e aí, vocês não têm umas composições?’. Nosso baterista, Lourenço Vasconcellos, me mandou. Ele toca vibrafone também, não só bateria. E o baixista, o Thiago Rebello, me mandou. Ficava ouvindo esta música, a cozinha da banda é f***, já dialoga. Juntei uma coisa na outra e chamei o Arthur (Braganti), que é um grande tecladista. Falei, ‘amigo, sabe aquela ideia que a gente tinha, de alguém que ficou de fora de uma farra?’. E começamos a pirar na letra. Acho que a f*** pode ser desde ficar fora de uma farra ou ficar de fora de uma festa. Ficar de fora mesmo, quem nunca se sentiu assim, ‘aí, não me chamaram’. Poxa, não ficaram comigo, ficaram ali na minha frente e não me convocaram. Então acho que todo mundo se identifica, né? Não faço música dos vencedores, dos campeões. Eu, inclusive, sou totalmente esquisita, ‘awkward’. Tive toda uma infância e adolescência de bullying, de outsider. Acho que esta música é muito a tristeza de ficar de fora, que as pessoas normais podem se identificar. Porque pra mim quem ficou sempre dentro é que não é normal.” 4. Eu Estou aos Prantos “O título do álbum realmente veio depois de eu fazer esta música. Fiz esta música no avião, tenho muito medo de voar, estou melhorando. Agora que estou voando mais, vou entendendo, esse barulho é a asa, vou estudando, mas medo é uma coisa muito irracional. Estava sozinha, não era show da banda, era participação. Sozinha é pior, você fica, ‘vou morrer sozinha, se cair não posso olhar pro lado e falar, ‘oi, desconhecido, vamos dar um abraço’. Acho que uso muito o medo como catapulta da coragem. Estava com tanto medo que falei, ‘preciso fazer alguma coisa com esse medo’. Peguei meu caderninho e comecei a compor tudo que estava sentindo, e nasceu esta. Acho que é uma das mais emocionantes também. Ela entra no lugar da emoção pura e plena, de ser muito sincera. É uma música sincera, de dizer, ‘olha, estou aos prantos e quem não está?’. É uma pergunta, porque se vocês não estão aos prantos, não sei em qual país vocês estão vivendo. Não só país, mas em que mundo vocês estão vivendo. Acho que é uma música sincera, emocionante, emotiva.” 5. Contanto Até Que “Sou uma pessoa cujas avós estão vivas e falam expressões muito engraçadas, e eu pego essas expressões. Pego as expressões das minhas avós, e minhas amigas falam, ‘ah, não, Letícia, para, você não tá falando isso’. Keli (Freitas), que fez essa música comigo e é uma das minhas melhores amigas, sempre que eu conversava com ela, ficava: ‘não sei o quê que aconteceu, contanto até que a pessoa não ligou, contanto até que nan nan nan…’. A Keli ficava, ‘só você fala contanto até que’. Tem outra expressão também na música, ‘ao passo que’, que eu ficava, ‘ao passo que você não me procurou…’. Keli ficava, ‘para de ficar falando igual velha’. Até que falei, ‘Keli, a gente tem que fazer uma música. A Keli é escritora, dramaturga, está morando em Portugal, é muito inteligente. Ela falou, ‘vamos fazer uma música, mas ela vai ter que ter ‘contanto até que’. A gente partiu da premissa só disso, de ter ‘contanto até que’, e o resto foi vindo depois, toda uma situação de paixão e loucura. Aí a Duda Brack, que é uma cantora de Porto Alegre, maravilhosa, mas que mora no Rio, eu já tinha tentando fazer uma parceria com ela, mas não foi para a frente. Lembrei e falei, ‘Duda, aquele refrão, ‘eu vim pra botar fogo no teu bairro’. Pô, vamos usar, vai. Então chamei ela para o ‘trisal’ comigo e com a Keli. É uma música sobre paixão, tesão, sobre perder o prumo por causa de alguém e que loucura é isso. Tudo bem viver isso, não se censurar. Vive, rasga a cara e depois a gente vê o que acontece. Porque prefiro sofrimento a não viver. Nem que eu me ferre, prefiro viver as coisas que tenho que viver.” 6. Vai Brotar “‘Vai Brotar’ é uma canção muito gostosa. Nem sei o que dizer sobre ela. É uma música misteriosa, ela tem umas falas, umas letras malucas. Eu e o Arthur somos amigos há muitos anos, então a gente entrou num processo criativo muito doido. A gente entrou numas de pegar ditados, ‘quem te viu, quem te vê’, ‘quem não chora não mama’. A gente foi pirando e mudando esses ditados. E o que eles fizeram com a música, a banda, aquilo é um primor. O teclado do Arthur no final… acho que vou me jogar na pista. Esse teclado de ‘Vai Brotar’ é o luxo do luxo do luxo. É uma música muito gostosa. Fala coisas profundas, espirituais. Ela até começa falando, ‘você ficou cínico com o tempo e eu fiquei cada vez mais espiritualizada’. É uma coisa forte de falar, mas é uma canção gostosa. Você pode fazer uma música gostosa com assunto profundo.” 7. Cuidado, Paixão “‘Cuidado, Paixão’ também foi uma música que fiz dentro d’água na Grécia. Fiquei lembrando de um dia em que estava no mercado e quase esbarrei (em algo), e a funcionária falou, ‘cuidado, paixão’. Sou essa pessoa, que vive, e as coisas já estão sendo inspirações e músicas. Uma coisa hilária, nem me conhece e já me chamou de paixão. Quando as pessoas usam uns vocativos assim, amor, amada, neném, meu bem, flor. É engraçado isso. Aí eu anotei, ‘cuidado, paixão’. Na Grécia veio esse samba. Sou de uma família do Rio, meu pai gosta de samba, meu pai gosta de outras coisas também. Nasci numa casa de um pai geminiano ultraeclético, de Raça Negra a Beethoven. De Maria Bethânia a Almir Sater. Isso tudo tocava na minha casa, era o dia comum de um pai geminiano. Eu tenho muito essa mania de, quando vou compor sem violão ou piano, nasce um samba. No Climão também, chegava para a Natália (Carrera) e para o Arthur, cantava ‘Que Estrago’, que eu cantava na cabeça, e eles falavam assim, ‘que é isso, você fez um samba?’. Depois o arranjo revertia, tudo se transformava, mas às vezes a origem era de samba, o que é muito louco. Nesta música, o Arthur falou, ‘esta vai ter que ficar um samba, mas vai ficar um samba com a nossa cara’. Porque a gente ama ‘Twin Peaks’, David Lynch, ficou um samba ‘lynchiano’. Acho que é uma música também da série corta-coração. Há umas dançantes, outras que são corta-coração, e esta é um pouco corta-coração, mas eu acho importante também. Gosto de música triste, adoro ouvir música triste, música boa.” 8. Sente o Drama “‘Sente o Drama’ foi uma música que fiz com meu parceiro, meu romance, odeio a palavra namorado, Thiago Vivas. O Titi tem toda uma pesquisa de blues na vida dele, e amo cantar blues, até porque minha voz é mais grave. Várias referências da minha vida foram para esse lugar. Tenho uma tatuagem de uma tartaruga que fiz por causa de uma música que se chama ‘Turtle Blues’, que a Janis Joplin canta de uma forma absurda. Falei, ‘Titi a gente tem que fazer um blues. Um dia a gente pegou o violão e veio este blues, que é divertido, é curioso, tem umas brincadeiras com coisas da nossa vida. Sou muito alta e eu tinha uma cama padrão, e eu falei, ‘cara, não vai dar mais para a gente ter uma cama padrão. Vamos ter que comprar um colchão king, queen, será que vai caber?’ As músicas não são só totalmente autobiográficas, sou muito inspirada também pelas histórias que as pessoas me contam, tem histórias das minhas amigas, do Arthur, de alguma parenta, tem várias coisas que ouço. Porque falo na música, ‘é padrão o nosso caso’. Jamais que o caso com meu boy seria padrão, a gente está junto há sete anos (risos). Amo a Liniker imensamente, ela é uma artista sensacional, uma das vozes atuais mais lindas no Brasil, e a gente tem o projeto Acorda Amor, em que a gente se diverte muito. Temos uma relação muito forte e bonita. Aí, falei, ‘baby, você não toparia?’. E ela falou, ‘lógico’. Ela estronda, ela chega com o pé na porta. Ela faz uns gritos e rasga a voz, eu fico arrepiada. Não sei como vou cantar no show sem ela, vai ser duro (risos).” 9. El Día que No me Quieras “É a única música que criei no piano. Que criei com algum instrumento, depois o Arthur também colaborou, mas o início fiz no piano. Tenho brincado de tocar piano, meu boy faz faculdade de música, então ele está muito pianista em casa. Sentei um dia no piano e saiu esta composição. Queria muito uma música em espanhol, gosto de falar línguas, de ser sul-americana e às vezes a gente esquece isso. O Brasil é tão continental que às vezes a gente se coloca em outro lugar, mas somos sul-americanos. O Arthur também ama falar espanhol, tem uma ligação muito forte com a língua espanhola. Um amigo dele, que é argentino, ajudou a gente nas coisas e tal, e a gente se divertiu muito tentando deslocar a nossa cabeça da língua materna, que é a portuguesa. Às vezes o amigo dele falava, ‘isso não está errado, mas é lindo porque é poesia’. Isso é legal, porque quando não é a sua língua-mãe, você abraça aquela língua por outro viés. É uma parceria minha com o Arthur que acho gostosa. Nesta música tem um saxofone, quem gravou foi o Lucas de Paiva. Ele é músico e produtor da Clarice Falcão, produziu umas coisas com a Alice Caymmi. Ele já substituiu o Arthur uma vez em que ele teve que viajar. Ele arrasa no saxofone e achei supercharmoso.” 10. Abalos Sísmicos “É uma música que fiz com as minas da banda. Um dia estava passando som, e a Nati estava fazendo um riffzinho assim na guitarra, peguei o celular e gravei. Depois, em casa, fiquei pensando em coisas, sensações. Falei para a Martha (V), que também é tecladista, backing vocal, guitarrista. Falei, “Martinha o que a gente pode falar aqui, sobre essa sensação de alguém que não assume que errou, alguém que não pede desculpas?’. Uma música sobre alguém não se abalar e seguir. E eu, toda desestabilizada, aos prantos, abalada, abalos sísmicos. Começamos a escrever a letra e foi me dando ideias também. É uma composição minha com as ‘girls’ da banda. Esta foi a música que mais se transformou desde o dia do ensaio até a gravação. Porque de início a gente estava com questões e, quando gravamos, até chorei. Naquele final, em que fico gritando ‘meu amor’, eu chorei real. Foi forte.” 11. Salve Poseidon “‘Salve Poseidon’ é uma loucurinha do Arthur. Ele falou, ‘amiga, estou fazendo aqui um balacubacozinho. Tudo rima com on, neon, me ajuda aqui’. A gente foi pirando em letras. É uma música festiva, para tocar numa festa. A gente até fez uma festinha no fundo, tem uns barulhinhos da gente no estúdio. Uma música para ser celebrativa, para ser um momento de gozo. Tem uma pequena homenagem a Fernanda Young, em que falo: ‘I love you forever young’. Foi uma passagem que me marcou muito. A passagem dela foi um cometa para mim, e quis ter esse ‘I love you forever young’ em homenagem a ela. Também tem um pequeno texto que eu falo que eu tenho todo o meu lado místico sobre coincidência e tal. Me pareceu fluido, a gente estava falando isso, fui eu ver o que tinha aqui no meu caderno, tudo muito intuitivo. Tentativa e erro. Se arrepiar, fica; se não arrepiar, segue. Não foi premeditado nem nada, quis falar aquele texto. Falei e ficou.” 12. Esse Filme que Passou Foi Bom “‘Esse Filme que Passou Foi Bom’ é uma parceria minha com o Lucas Vasconcellos, meu ex-parceiro de Letuce. Sempre quero ter música com ele, é um grande amigo, um grande músico, um excelente compositor. A gente quis falar sobre morte, que é um tabu. Não se fala muito sobre morte, sempre fica uma névoa de mistério. É a única certeza de que a gente tem, então acho curioso vedarem esse assunto, já que é a única certeza. De resto, se a gente vai ter uma casa, vai viajar pra Europa ou vai ter filho, jamais saberemos. A gente quis brincar com coisas sobre a morte. Tenho muito essa sensação infantil, minha prima morreu quando eu era muito nova, ela era muito próxima. Foi uma coisa difícil, ela morreu no dia do aniversário dela, meningite meningocócica, uma coisa horrorosa. Passei muitos anos mal, passei uma época sonhando e tendo pesadelo, mas um dia gargalhei muito pensando: ‘será que a Mariana está me vendo aqui transar?’. Esse pensamento me fez rir sobre a morte. É hilário pensar isso. Então, acho que no dia em que a gente estava compondo, a gente teve muito essa sensação, ela pode ser densa, no início o arranjo ficou até meio Radiohead, mas no final quero quase um pagode: ‘transando, mentindo, usando droga’. Quase que uma coreografia de pagode. Não quero ficar só nessa atmosfera, quero também que seja um lugar onde se dança a morte.” 13. Cry Something Awkward “A última música quase não é uma música, ela é uma vinhetinha. É só um adeus. Como se eu estivesse, sei lá, dentro de um barco, navio, estou zarpando, estou na beira do navio e dou este recado. É como se fosse um recado esta letra. Até coloquei em inglês porque tem certas coisas que não dá para dizer em português. É engraçado. Tem uma alusão aos Rolling Stones, ‘You Can't Always Get What You Want’. Chamo eles de dinossauros, e também é uma coisa que os dinossauros podem ter ensinado sobre efemeridade. Se vier o cometa, acabou tudo. Realmente, se a gente estiver vivendo e vier um cometa, acabou tudo. O povo tem pedido muito o tal cometa, ‘vem, cometa, acaba com a Terra’. Não sou tanto ‘vem, cometa’, apesar de estar uma merda. Quero tentar salvar, não quero tentar destruir mais.”

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